Praia

Agora que o mal já estava feito é que conseguia pensar nas consequências. Quando tinha contado à minha mãe o que Camilla fazia, sabia perfeitamente que ela não nos ia julgar por nada, ela era uma pessoa com uma mente muito aberta e percebia que se ela estava metida nessa situação não era por querer, mas por ter que ser. Não me admirava que ficasse desconfiada dos seus motivos para estar comigo, mas isso já era diferente e, mesmo assim, ela não tinha ficado. Algo que eu me esquecia e que só agora percebia é que as pessoas não são todas como a minha mãe e provavelmente, tanto ela como eu, vamos ser julgados em todos os sítios. Eu não me importava com isso, podia não render tanto como antes, mas também não era isso que me preocupava, era com ela. Suspirei para mim próprio, só acordando dos meus pensamentos quando ela falou - Eu aposto que sim - sorri beijando-lhe os lábios até me afastar - és linda e as pessoas à primeira vista julgam com os olhos - encolhi os ombros sentando-me na praia, perto da água reparando no seu sorriso maroto. - Não fiques convencida.

Apesar de só pela expressão de Fly perceber que ele estava tão pensativo quanto eu, não fiz nenhum tipo de comentário. Queria mentalizar-me de que ia correr tudo bem, de que as coisas não iam ser tão más quanto eu esperava e, acima de tudo, queria aproveitar o que estava a acontecer naquela festa, o facto de, depois disto, toda a gente ficar a saber que estávamos juntos, e, para isso, não podia deixar-me levar pelos meus próprios pensamentos. Aliás, por falar em pensamentos, consegui distrair-me deles assim que senti os lábios de Fly junto dos meus. Sorri contra os mesmos, vendo-o afastar-se e sorri ainda mais com o que ele disse, aproximando-me calmamente dele até me conseguir sentar ao seu lado.
- Eu não fico convencida.- gargalhei, pousando a cabeça no seu ombro.- tu só disseste o que achas, não é amorzinho? - brinquei, voltando a esboçar o mesmo tipo de sorriso, mas logo me estiquei até lhe beijar a bochecha.- gosto muito de ti vedetazinha.

Ri-me, encostando a cabeça à sua quando a pousou no meu ombro e abracei-lhe a cintura com um suspiro - eu disse a verdade - ri-me, beijando-lhe a testa. Fechei os olhos ao sentir o seu beijo na bochecha e olhei-a com um meio sorriso - só gostas de mim? - perguntei baixinho, roçando os meus lábios seus seus, assim como os nossos narizes. - porque eu amo-te - murmurei observando os seus lábios e não conseguindo evitar um sorriso - não sei quando é que eu caí tão depressa na tua teia - brinquei abraçando-lhe a cintura e puxando as suas pernas para cima das minhas. - mas conseguiste Mila.

Encostei o meu corpo mais ao de Fly, assim que senti o seu braço em redor da minha cintura e deixei-me ficar assim durante um bocadinho, apenas a olhar o mar, até ouvir a sua pergunta, bem como a sua resposta logo de seguida.
- Tu sabes que te amo.- assenti, sentindo os seus lábios roçarem-se nos meus logo depois de ter desviado o meu olhar na sua direcção. Sorri, esticando uma mão até deslizar um dedo pelos seus lábios. Nunca pensara que poderia ser possível sentir-me tão apaixonada por alguém, como me sentia por ele. Despertei dos meus pensamentos antes de me tornar demasiado lamechas, mas acho que isso foi impossível depois de ouvir o que ele disse.- e eu não sei o que é que tu me fizeste.- comecei a responder-lhe, esticando uma mão até conseguir deslizar um dedo pelos seus lábios, ao mesmo tempo que ajeitava as minhas pernas em cima das suas, para depois me debruçar na sua direcção e lhe beijar os lábios ao de leve, sempre com o meu olhar fixo no seu.- porque eu estou perdidamente apaixonada por ti Fly.

Agarrei-lhe com um braço pela cintura, abraçando-me ao seu corpo. - És tão lamechas - murmurei contra os seus lábios com um sorriso malandro contra os dela. - Eu também - fugi dos seus lábios, deixando a minha cabeça cair para o seu ombro e apertei-a contra mim.
-Flynn! - ouvi a voz da minha mãe e não consegui ficar ligeiramente envergonhado ao lembrar-me que podíamos estar a ser fotografados. - Flynn - a minha mãe voltou a chamar e fui obrigado a olhar para trás. - Estava com medo que tivessem fugido - começou ela encostando o meu fato no seu peito - tenho aqui isto, vai vestir-te rápido antes que o jantar comece sem vocês.

Apesar de saber perfeitamente que Fly só me estava a querer provocar, não consegui evitar um pequeno revirar de olhos, esticando uma mão até lhe dar uma chapadinha sem força na bochecha.
- Quando eu passar um dia sem te dizer estas coisas, quero ver se não me vais implorar para ser lamechas.- resmunguei, ainda que estivesse a sorrir e deixei-me estar encostada a ele, a aproveitar o tempo que ainda nos restava antes de termos de voltar para ao pé das pessoas, mas pelos vistos não tínhamos assim tanto tempo quanto eu pensava, porque todo o meu corpo estremeceu assim que ouvi a voz da mãe de Fly vinda do nada, a chamar pelo seu nome. Endireitei-me de imediato, sentindo Fly fazer o mesmo e dirigi-lhe um sorriso meio envergonhada, rezando mentalmente para que não estivéssemos atrasados para nada.- acho que perdemos a noção do tempo.- tentei desculpar-nos, começando a levantar-me e sacudi a areia do meu vestido, olhando-me de baixo para cima, para me assegurar de que estava tudo bem.- eu vou aproveitar para ir à casa de banho enquanto te trocas.- murmurei, lembrando-me de ter visto uma casa de banho perto do bar.- vou ter com vocês à saída?

-Sim, eu sei bem que perderam a noção do tempo - a minha mãe piscou o olho e eu revirei os olhos espreitando para o meu fato. Detestava ter que estar assim, apresentável. Isto, porque a minha mãe queria, caso contrário eu apareceria até de calções de banho. Ela tinha criado a minha imagem de marca como estando sempre perfeito, se agora quisesse mudar isto e vestir o meu próprio estilo, ia causa uma polémica pior que a Miley Cyrus.
Assenti à pergunta da minha namorada - sim, na saída. Se acontecer alguma coisa tens o teu telemóvel contigo, certo? - perguntei-lhe. A minha mãe rolou o olhar, rindo-se.
-Não vai acontecer nada de mal, Flynn, isto está cheio de seguranças. - ela deu um beijo na bochecha de Milla e eu aproximei-me para lhe beijar os lábios.
-Até já.

Eu podia conhecer a mãe de Fly há pouco tempo, mas eu já a adorava. Para além de não me julgar por causa daquilo que fazia para viver, tratava-me quase como se fosse sua filha..e para dizer a verdade, ela era, sem dúvida alguma, a mãe que eu já não tinha. Soltei uma leve gargalhada com a sua resposta, abanando ligeiramente a cabeça, e fiquei a olhar para Fly, à espera que me respondesse.
- Está bem, então eu já vou ter com vocês.- disse, depois de finalmente me ter respondido e ia virar costas, se ele não começasse com aquelas suas preocupações.- não te preocupes, eu tenho tudo comigo.- assegurei, sorrindo face aos beijinhos de ambos e depois de ter correspondido ao do meu namorado, virei finalmente costas para subir até à zona da festa e ir até à casa de banho, precisava de me retocar.
- Hey! - virei instintivamente a cara para o lado, assim que ouvi uma voz bastante perto de mim e, apesar de não saber se era para mim, assim que vi uma rapariga andar na minha direcção, ainda que eu não fizesse a mínima ideia de quem ela era, percebi que era comigo que estava a falar.- és tu a nova namorada do Flynn, não és? - ela perguntou, fazendo-me assentir de imediato, com um leve sorriso.
- Sim, sou a Camilla.- apresentei-me, tentando ser o mais simpática possível, mas a rapariga não reagiu da mesma forma.
- Eu sou a Gabriella, uma das maquilhadoras dele.- ela apresentou-se também.- estás a gostar da festa? - assenti, apesar de ela não me dar tempo para dizer mais nada.- ele gosta muito de trazer as amiguinhas para as festas, acho que é o truque dele.- eu não estava a perceber nada do que se estava a passar, mas porque é que ela estava a falar assim comigo quando nem sequer nos conhecíamos, melhor, porque é que ela me estava a dizer aquelas coisas?
- Pois, mas eu não sou uma amiguinha dele.- respondi. Eu podia tentar ser simpática, mas a partir do momento em que eu percebesse que a outra pessoa não me ia responder na mesma moeda, o caso mudava logo de figura.
- Não te deixes enganar querida.- ela respondeu-me, da forma mais calma possível, encolhendo os ombros enquanto falava.- és bonitinha, mas ele consegue arranjar melhor do que tu.- afirmou, e eu senti o seu olhar descair pelo meu corpo.- muito melhor do que tu.- e assim que aquelas palavras lhe saíram pela boca, eu senti todo o meu corpo ferver.- ele pode arranjar quem quiser.- acho que a única coisa que me estava a impedir de me passar ali mesmo, era o facto de não querer fazer má figura, e tudo por causa de uma mulher que eu nem conhecia. Respirei fundo, apertando a minha mala contra o meu peito e forcei o melhor sorriso que consegui.
- Vais desculpar-me mas eu não tenho tempo para ficar aqui a falar contigo.- disse, começando a virar costas para entrar finalmente na casa de banho.- o meu namorado está à minha espera. - e assim que terminei de falar, e antes que perdesse a compostura, entrei na casa de banho, fechando a porta atrás de mim.

A minha mãe foi atrás de mim para me ajustar o fato e eu fiquei apenas a olhar-me ao espelho - eu espero que te portes bem Flynn - falou ela - a tua namorada está contigo, se achares que não consegues - ela fez-me virar-me para si, embora eu não quisesse olha-la nos olhos e relembrar-me dos meus vícios - apoia-te nela, está bem? - perguntou-me para ter a certeza de que não ia ter que limpar os meus estragos.
-Sim - clareei a garganta arranjando o meu cabelo à minha maneira e saí à sua frente daquele cubículo. Olhei em volta, porque ali apenas a alguns metros dali ficava a saída e não via o vestido vermelho de Milla em lado nenhum. Engoli em seco quando lá cheguei e senti a minha mãe apertar-me o braço, para que mantivesse a calma. - Onde é que ela foi? - perguntei baixinho.
-Tem calma, sabes como são as mulheres - tentou acalmar-me, afagando-me o ombro com um suspiro. Desviei o olhar na zona do estacionamento e senti um aperto no peito que quase me fez sair dali. Gabriella estava a olhar-me enquanto um rapaz, que acho que era o namorado, lhe falava.
-Acho que não foi só isso.

- Pára com isso Camilla.- falei sozinha, ainda com a cabeça encostada à porta da casa de banho e desviei o meu olhar para o espelho, que estava mesmo à minha frente. Mas porque é que eu estava a dar tanta importância ao que uma estranha me dizia? Ela não me conhecia de lado nenhum, aliás, quem é que me dizia a mim que ela conhecia mesmo Fly? Exacto, ninguém me dizia. Assenti aos meus próprios pensamentos, tentando convencer-me e afastei-me finalmente da porta, aproximando-me depois do espelho para poder retocar o batom vermelho que já mal se notava nos meus lábios. És bonitinha, mas ele consegue arranjar melhor do que tu. Ele pode arranjar quem quiser. Cerrei o maxilar com força, afastando o batom da boca assim que percebi que corria sérios riscos de me sujar e apressei-me a guardá-lo na mala, fixando o meu próprio reflexo no espelho. Eu sabia porque é que isto me estava a afectar tanto...porque ela tinha razão em tudo o que dissera, eu só estava a tentar convencer-me do contrário. Eu nunca seria suficiente para ele. Mordi a parte de dentro da minha bochecha, sentindo-me voltar ao fundo do poço de repente e só não permiti que as lágrimas me deslizassem pela cara porque não queria que Fly se apercebesse de nada disto. Não queria estragar-lhe a noite, já bastava tudo o resto. Funguei, passando ambas as mãos pela cara e ao perceber que já estava ali dentro há demasiado tempo, apressei-me a sair, antes que Fly começasse a desconfiar. Para todos os efeitos, tinha perdido a noção do tempo por causa da maquilhagem. Passei por entre todas aquelas pessoas, que também se começavam a dirigir para a saída, aos poucos, e assim que vi vários carros estacionados, percebi que tinha conseguido orientar-me. Olhei em volta, sabendo que Fly iria estar ali, mas a primeira pessoa que avistei foi Gabriella. Engoli em seco, sentindo as suas palavras ecoarem novamente na minha cabeça. És bonitinha, mas ele consegue arranjar melhor do que tu. Ele pode arranjar quem quiser. Apertei a minha mala na mão que a segurava, tentando ignorar as voltas que o meu estômago dava na minha barriga e obriguei-me a concentrar-me em encontrar Fly, começando a andar na sua direcção assim que o vi, com o coração a contorcer-se no meu peito.- desculpem.- murmurei, tentando ignorar tudo o que estava a sentir naquele momento, inclusive o olhar daquela mulher posto em nós.- demorei muito tempo a conseguir encontrar a saída.

-Está ali - a minha mãe puxou-me pelo braço e eu senti um alívio enorme que me fez fechar os olhos e os meus ombros descontraírem, mas não tanto, quanto parecia. Conseguia sentir o olhar de Gabriella em cima de nós. Eu sabia o que ela queria. Ela queria ver-me no fundo do poço de novo para eu voltar a recorrer a ela, como sempre fazia quando sentia que não aguentava mais a realidade. Eu pensava que ela tinha sido presa, mas afinal a minha mãe não tinha tratado totalmente do assunto. Senti as minhas mãos tremer mas, assim que Milla chegou perto de nós a pedir desculpa, eu agarrei-me à sua cara, agarrando na sua cabeça e descendo os dedos pelas suas bochechas - não me mintas - murmurei só para que ela ouvisse e dei-lhe um beijo sobre os lábios pintados e desviei o olhar na sua direção, ainda completamente colado a ela. Eu tinha tanto medo que ela acreditasse no que quer que ela tenha dito que senti os meus olhos começarem a arder, mas não me permiti chorar nem nada parecido - o que quer que ela tenha dito - comecei - não acredites - continuei voltando a beija-la e abracei-a com força.

Não sei se fiquei pior ou melhor quando me aproximei de Fly. As emoções estavam tão baralhadas dentro de mim que eu já nem sabia o que pensar. A única coisa da qual tinha certezas era de que não podia deixar que o que tinha acontecido lhe estragasse a noite, aliás, no que dependesse de mim, ele não ia sequer sonhar que Gabriella tinha vinda falar comigo. Não podia piorar as coisas para o seu lado, já bastava o que iria acontecer assim que todas as pessoas influentes na sua vida descobrissem o que eu fazia para sustentar a minha. Porém, e sem conseguir esconder o meu espanto, Fly agarrou-me na cara mal cheguei perto dele o suficiente, pedindo-me que não lhe mentisse. Juntei as sobrancelhas enquanto o olhava e ainda abri a boca para lhe dizer qualquer coisa, mas ele continuou a falar, deixando-me ainda mais confusa. Como é que ele sabia o que se tinha passado? Será que eu era assim tão transparente para ele? Ou será que Gabriella também tinha ido falar com ele? Mordi a parte de dentro da minha bochecha com força, sentindo o meu coração falhar uma batida com esta última hipótese, e comecei logo a pensar em mil e uma coisas que ela lhe pudesse ter dito. Mas porque é que ela tinha decidido meter-se na nossa vida agora? O que é que ela ganhava com isto tudo? Soltei um pequeno suspiro contra os lábios de Fly, deixando que me abraçasse e aproveitei o contacto do seu corpo com o meu para relaxar um bocadinho, apesar de tudo aquilo me deixar ainda com mais vontade de chorar e ir-me abaixo por completo, contando-lhe tudo o que estava a sentir naquele momento. Se queria causar boa impressão no jantar, precisava de afastar todas aquelas coisas da minha cabeça durante um bocadinho.
- Está tudo bem.- murmurei apenas, face a todas as coisas que me tinha dito e comecei a afastar-me aos poucos dele, mas não muito, para não ficar preocupado.- vamos embora, não quero que chegues atrasado por minha causa.- forcei um sorriso, ainda que muito leve e olhei também para a sua mãe, esperando que algum dos dois começasse a sair dali. Fly tinha-me dito que este jantar era apenas com as pessoas mais importantes, eu só esperava que ela não fosse assim tão importante ao ponto de também ir. Quanto mais rápido me visse livre dela, melhor. Ainda que as suas palavras não me saíssem da cabeça.

Encostei os meus lábios à sua bochecha quando a abracei. Eu não queria acreditar que isto estava a acontecer. Ela podia não me dizer, mas eu conseguia ver o olhar perturbado dela, já a conhecia suficientemente bem para saber que se passava alguma coisa e agora que tinha reparado que Gabriella estava cá é que tinha as certezas. Baixei o olhar quando ela me disse que estava tudo bem. Claro que estava, revirei os olhos para mim próprio e cerrei o maxilar, se ela se aproximasse de mim eu ia bater-lhe, eu não me ia conseguir conter e ir estragar a festa, estragar a minha imagem de vez e estragar a confiança da minha mãe, mas ia dar-lhe um murro se... Assenti a Milla que me interrompeu os pensamentos quando pediu para irmos embora e a minha mãe quebrou também o clima quando se meteu à nossa frente - o carro está à espera. - suspirei e agarrei na mão da minha namorada para a levar comigo.

Percebi que os meus esforços em fingir que estava tudo bem eram em vão assim que Fly ficou pensativo, ou melhor, demasiado pensativo. Acho que nos conhecíamos demasiado bem para fingirmos que não sabíamos quando o outro não estava bem. Ainda assim ia esforçar-me ao máximo para continuar o mais neutra possível e não arruinar o que ainda restava da nossa noite. Apesar de não conseguir parar de pensar nas palavras daquela mulher por mais de alguns segundos, se ela não estivesse no jantar, ia ser um bocadinho mais para fácil para mim continuar com aquela farsa. Sim, porque todos aqueles esforços não passavam disso mesmo, de uma farsa. Eu não estava bem e a única vontade que tinha era de desabafar todas as minhas inseguranças com Fly e deixar-me consolar pelas suas palavras, ao mesmo tempo que me tentava também deixar convencer. Porque, apesar de saber que tudo o que ela tinha dito era verdade, precisava de fingir que acreditava no contrário. Soltei um suspiro cansado com todos aqueles pensamentos, agradecendo mentalmente assim que a mãe de Fly interveio e deixei que ele me agarrasse na mão, sendo a minha vez de entrelaçar os meus dedos nos seus, acabando por ter de me afastar assim que chegámos perto do carro que estava à nossa espera, para entrar. Acho que a única coisa que não me deixava ir abaixo por completo era saber que, apesar de tudo, Fly ainda me ia apresentar a toda a gente como sua namorada. Permiti-me sorrir muito ao de leve com os meus pensamentos, sentindo o sorriso desvanecer-se em segundos e depois de colocar o cinto, pousei a minha mão sobre a perna de Fly. Queria que ele parasse de se preocupar e desfrutasse a noite, a sua noite.

Fui até ao carro em silêncio, ignorando o olhar e a presença daquela rapariga. Não percebia qual era o prazer que lhe dava em vê-la a sofrer-me ao ponto de crer a voltar a comprar-lhe droga. A minha mente dizia que não era só disso, que ela queria algo mais, mas para quê? Ela tinha namorado há mais anos que nós nos conhecíamos, não podia ser só isso. Olhei para as nossas mãos, para a minha e a de Camilla e evitei suspirar. Não queria que houvessem perguntas. Assim que o carro arrancou, encostei a cabeça ao banco e olhei para a minha namorada, esticando-lhe um dedo para que ela me olhasse, eu sabia que não devia, porque ela estava a fazer um esforço para estar bem, mas não ia conseguir estar sossegado enquanto não lhe contasse - tu conhece-la, Milla - murmurei - ela é a minha maquilhadora. Aquela que... - falei baixo por causa da minha mãe no banco da frente - ela tenta de tudo para que eu volte a comprar-lhe. Eu não sei porquê, mas ela é esperta o suficiente que eu não aguento perder-te.

Por muito que eu tentasse ficar indiferente, ou até esquecer por momentos o que tinha acontecido, eu não conseguia. Nada daquilo fazia sentido na minha cabeça, não o que ela me disse, mas sim o porquê de o ter feito. O que é que ela ganhava em pôr-me naquele estado, melhor, o que é que ela ganhava em difamar Fly? Encostei a minha cabeça ao banco do carro, sentindo-o andar ao mesmo tempo que eu me debatia contra estes meus pensamentos, mas assim que senti a mão de Fly no meu queixo, fazendo-me virar para si, e ele começou a falar, senti o meu cérebro juntar todas as peças daquele puzzle de um momento para o outro. Eu lembrava-me de Fly me ter dito que era no seu próprio emprego que ele conseguia a droga, lembrava-me do medo que ele sentira de voltar a trabalhar depois de eu me ter livrado de toda a porcaria que ele tinha...e tudo por causa daquela gaja.
- É ela? - perguntei, apesar de não precisar que Fly confirmasse e desviei o olhar para o vidro durante alguns segundos, tentando assimilar toda aquela informação, até o ouvir falar em perder-me.- tu não me vais perder.- disse, olhando para ele logo de seguida.- por muita razão que ela tenha no que disse, eu amo-te. E vou amar sempre.- encolhi ligeiramente os ombros, ao mesmo tempo que lhe apertava a mão em que agarrava. Estava a fazer um enorme esforço para não me ir abaixo ali mesmo, primeiro porque a sua mãe estava mesmo à sua frente e segundo, não queria dar a Gabriella o prazer de ter conseguido o que queria. Se antes já tinha vontade de ir ter com ela e obrigá-la a afastar-se de Fly, agora estava com vontade de fazer muito pior do que isso.- mas eu não acho que seja isso a única coisa que ela quer de ti.- acabei por dizer, sentindo o sangue fugir-me todo para cara só por estar a pensar naquela hipótese.- ela tentou pôr-me contra ti.- olhei-o, continuando a não lhe contar o que é que ela me tinha dito ao certo.- não acho que o tenha feito só para voltares a comprar.

Olhei para a sua mão que apertava a minha com força e aproximei os meus lábios dos seus roçando o meu nariz no dela com um meio sorriso. - Eu também te vou amar sempre - murmurei, depositando-lhe um beijo leve nos lábios, deixando a minha testa encostar-se à sua bochecha. - Eu acho que ela está desesperada - murmurei levantando o olhar para conseguir vê-la e suspirei - eu... eu dei-lhe muito dinheiro. - e antes que ela não percebesse continuei: - pelas drogas. Eu era o melhor cliente dela - supus nem me querendo lembrar desse tempo. Eu ainda pensava em consumir, todos os dias eu acordava e a primeira coisa para onde eu olhava era para a mesa-de-cabeceira do quarto onde estivesse, era sempre lá que eu escondia as minhas coisas, mas eu não o fazia porque sabia que estava errado, e porque tinha Camilla ao meu lado para me distrair disso. - eu não sei o que ela quer - admiti - mas eu quero distância daquela mulher. - murmurei sabendo que ela me ia provocar ainda mais no jantar.

Bastou-me ouvir o que Fly disse, ao mesmo tempo que os seus lábios se roçavam nos meus, para sentir o meu coração apertar-se dentro do meu peito. Por muito que as palavras de Gabriella me tivessem afectado, eu nunca me iria conseguir afastar de Fly, ainda que às vezes achasse que seria o melhor para ele. Mas aí está, ele era o melhor para mim, e eu conseguia ser egoísta a esse ponto. Soltei um pequeno suspiro ao perceber o caminho que os meus pensamentos estavam a seguir e abanei ligeiramente a cabeça, sentindo todo o meu corpo relaxar mal os lábios do meu namorado vieram ao encontro dos meus. Apressei-me a corresponder ao seu beijo, deslizando as pontinhas dos meus dedos pela sua bochecha enquanto o fazia e assim que terminou, deslizei ligeiramente no banco, para me conseguir aninhar contra o seu corpo, ouvindo-o ainda a falar sobre Gabriella. Quanto mais ele falava, contando-me coisas sobre o que é que ela lhe vendia e o porquê de estar a fazer tudo isto, com mais vontade eu ficava de voltar atrás e dar cabo dela. Uma coisa era deixar-me a mim mal, outra coisa, e muito pior, era fazê-lo com Fly.
- A mim pouco me interessa se ela está desesperada ou não.- murmurei, levantando ligeiramente o queixo para o conseguir olhar, sem nunca me afastar do seu corpo.- tu não vais voltar a comprar-lhe nada.- encolhi os ombros.- por isso ela bem que pode continuar a tentar, porque não vai conseguir.- pelo menos fazê-lo comprar eu tinha a certeza de que ela não ia, quanto ao resto, quanto à minha cabeça...isso já era diferente. Mordisquei a parte de dentro da minha bochecha ao de leve, abraçando-me à cintura de Fly, apenas para o sentir mais perto de mim e tentar relaxar e ao ouvir o seu tom de voz preocupado, estiquei-me até lhe conseguir beijar o queixo.- eu vou estar contigo.- disse, para o tentar acalmar também.- não vai acontecer nada.

Eu tinha um passado com Gabriella, nada que se parecesse a um relacionamento, mas nós éramos bons amigos no que tocava a... injectar ou snifar ou engolir ou fumar ou beber. Éramos os melhores e como ela era minha maquilhadora ela ajudava-me a cobrir, a mostrar fisicamente que eu estava bem. Porque no que tocava ao meu emprego, tudo o que eles queriam saber era que eu continuava como era, que o meu corpo continuava igual. - Não vou - garanti agarrando-lhe na mão que segurava com força. - e não lhe ligues, ela só me quer afectar. - murmurei levando a sua mão até aos meus lábios, beijando-a.
-Está tudo bem aí atrás? - perguntei a minha mãe, virando-se ligeiramente para nós. Assenti à sua pergunta, mordendo o meu lábio inferior com força- querido, põe um sorriso na cara. Depois falamos.

Cada vez que recapitulava na minha cabeça tudo o que Fly me tinha acabado de contar sobre aquela gaja, mais vontade tinha de me passar da cabeça assim que a visse. Era impressionante o que o dinheiro levava as pessoas a fazerem...não que eu tivesse muita moral para falar sobre isso, tendo em conta o que fazia para ganhá-lo, mas ao menos não destruía a vida de mais ninguém, sem ser a minha. Soltei um pequeno suspiro, abanando logo a cabeça para não voltar ao mesmo e deixei-me distrair pela voz de Fly, assentindo a tudo o que me disse. Não queria falar mais sobre aquilo, só de saber que ela ia estar no mesmo jantar que nós, deixava-me nervosa o suficiente. Deixei-me ficar encostada ao corpo de Fly, distraindo-me com a paisagem que se conseguia ver através do carro em andamento e só quando uma outra voz, que não a de Fly, se fez ouvir é que eu desviei o olhar na direcção da mesma, percebendo que era a sua mãe que falava. Endireitei-me no banco, ficando apenas de mão dada com Fly e ao perceber que até a sua mãe já tinha percebido que algo se passava, eu soltei um pequeno suspiro, tocando-lhe no queixo, para que ele me olhasse.
- Se é para ficares assim, para a próxima não te conto nada.- murmurei, encostando a minha testa à sua bochecha.- anima-te, por favor, eu não quero sentir-me ainda mais culpada do que aquilo que já sinto por te estar a arruinar a festa.- confessei, mordiscando de forma distraída a parte de dentro da minha bochecha.- hoje é o teu dia, é suposto aproveitares.

Senti um dedo debaixo do meu queixo que me obrigou a olhar para Milla e suspirei. - tu não me contaste nada, Camilla - resmunguei - eu descobri sozinho.- encolhi os ombros. Ela até podia ter dito que não tinha sido Gabriella, mas eu era inteligente para perceber certas coisas. Ainda para mais, da forma como eu tinha visto que ela nos olhava. Olhei para as minhas mãos, esfregando-as uma nas outras e só a voltei a olhar quando encolhi os ombros - Este dia não era nada de especial para além de eu dizer a toda a gente que namoras comigo - não era mesmo importante, o principal já estava feito - e a primeira intenção dele era chamar as atenções para mim para mostrar o quão bem comportado e bonito e charmoso e bem educado eu sou. - eu odiava isso desde há pouco tempo para trás.

Face à afirmação de Fly, eu não disse nada. Ele tinha razão, mas também, o que é que era suposto dizer-lhe? Que ela me tinha dito que ele conseguiria alguém muito melhor do que eu, e que eu concordava com isso? A última coisa que queria era que Fly se chateasse, ou que pensasse que eu estava à espera ou a querer que isso acontecesse, por saber que era o melhor para ele, por isso, era melhor continuar sem lhe dizer o que quer que fosse. Encolhi ligeiramente os ombros, sem saber o que dizer, ou se era suposto dizer alguma coisa e por isso, esperei que Fly terminasse, para só depois falar.
- Mesmo assim.- encolhi os ombros, olhando durante breves segundos para o lado de fora da janela.- eu sei que tu não queres que eles fiquem a pensar que se passa alguma coisa.- murmurei.- o teu trabalho ainda é importante para ti.- assenti, como que a reforçar as minhas palavras.- por isso, nem que seja a fingir, não podes deixar que ela te afecte, nem a ti nem à tua noite.

Esfreguei as minhas mãos uma na outra. Não era só o que ela pudesse ter dito a Camilla que me preocupava, era o que ela me podia fazer se me apanhasse sozinho. Não era como se me fosse violar ou alguma coisa do género, mas eu não era tão forte quanto parecia. Eu tinha um problema e a partir do momento em que caía nele duas vezes seguidas, tornava-se crónico. Abanei a cabeça para afastar os meus pensamentos e voltei a focar-me no que a minha namorada me dizia. Eu não queria mesmo nada que me viessem com perguntas sobre o porquê de parecer abatido, e ainda ia parecer mal, ia dar-lhes a entender que eu e Milla tínhamos problemas e isso não podia acontecer no primeiro dia que eles a conheciam. Então, eu ia pôr um sorriso na cara por ela. Sorri-lhes, sabendo que estaria tão perfeito e lhes dava tanta satisfação quanto os verdadeiros. - Está bem, vamos a isto - murmurei quando o carro parou. Ainda bem que eu era bom actor.

Naquele momento, eu estava a tentar afastar todo o tipo de pensamentos apenas para conseguir que Fly se recompusesse. Porque o mais importante não era como eu me sentia, mas sim como ele tinha de se sentir para esta noite correr como planeada. Não podíamos deixar que aquela mulher conseguisse o que queria, e para isso, não podíamos mostrar-lhe que as suas palavras nos tinham afectado, nem que para isso fosse preciso fingirmos. Olhei lá para fora através da janela, apenas para confirmar que já tínhamos chegado, assim que senti o carro parar e ao perceber que sim, voltei a olhar para Fly, soltando um suspiro mais aliviado ao perceber que ele ia fazer o que lhe tinha pedido. Assenti, vendo o motorista sair do carro para me vir abrir a porta e forcei um leve sorriso, agradecendo-lhe enquanto saía. Agora é que ia começar o verdadeiro desafio, e a única coisa que eu estava a pedir naquele momento, era que Gabriella me aparecesse à frente o menos possível. Passei as mãos pelo vestido, puxando-o ligeiramente para baixo enquanto o ajeitava e como já estava fora do carro, esperei que Fly fizesse o mesmo, para depois lhe agarrar na mão.

Não havia assim tantos fotógrafos, a minha mãe tinha mantido o jantar mais discreto que a festa anterior. Assim estava mais descansado, não precisava de estar sempre sorridente para não pensarem logo a especular. Mesmo assim, não era só Gabriella que me estava a assombrar a mente em conjunto com uma sala de jantar cheia de droga; havia um monte de empresários prontos para apostar no meu futuro e eu tinha que estar no meu melhor. A minha mãe olhava para mim e sorria, sabia que estava confiante, mas eu não achava que fosse conseguir ter tanto sucesso quanto o que ela pensava que ia ter. Olhei de canto para o espelho do carro, ajeitando o casaco e o bow tie para permanecer impecável. Já a tinha desiludido demasiado e ela só queria ajudar-me mais, não queria voltar a fazer asneira. Desviei a minha atenção para Camilla, sorrindo-lhe levemente a dei-lhe o meu braço para que enrolasse o seu nele. - Não te afastastes de mim - pedi quando me aproximei dela para lhe falar ao ouvido. Assim que ela se agarrou ao meu braço, caminhei atrás da minha mãe que nos indicava o caminho.
-