Casa assombrada

Fui arrancada dos meus pensamentos quando senti os seus braços em volta do meu corpo e pouco demorou para que ficasse adormecido. Beijei o topo da sua cabeça e foi aí que percebi que esta era a minha oportunidade. Falei para o taxista, despertando a sua atenção e pedi-lhe que fosse em direcção a uma casa abandonada que por sorte ele conhecia. Ainda me ficou a olhar com uma cara estranha, mas acabou por assentir. Demorámos pouco mais de dez minutos a chegar e depois de pagar, fiquei a olhar em volta, e agora? Como é que ia levá-lo?
- Ahm..- mordiquei o meu lábio e olhei para o taxista que me olhava com uma cara estranha.- se eu lhe pagar mais, ajuda-me a levá-lo lá para dentro? - mordi o lábio com força, mas rapidamente respirei fundo quando assentiu.

Ao sentir-me despertar, não abri os olhos, tinha medo de os fazer porque sentia que não estava no meu quarto. O colchão não era confortável, mesmo nada, e havia um cheiro esquisito no ar, se não fosse pelo cheiro eu até dizia que estava em casa dela, mas não estava. Abri os olhos meio assustado e encostei-me à cama olhando em volta.
-Camilla - chamei levantando-me.

Trouxe Fly para dentro com a ajuda do taxista e pedi-lhe que o deitasse no pequeno colchão que lá havia. Acendi a pequena vela que lá tinha e fui até lá fora para dar o dinheiro extra ao taxista.
- Obrigada pela ajuda.- murmurei e ele apenas acenou com a cabeça, voltando para o carro. Esperei até ele desaparecer de vista e voltei a entrar no preciso momento em que Fly me chamava. Eu não queria ter de fazer isto, mas não havia outra maneira.- estou aqui.

Voltei a sentar-me quando ouvi a voz dela e agarrei numa vela, ficando a olhar a mesma com uma careta. Mas onde raio é que eu estava? Levantei a cabeça quando a vi entrar no quarto, ou o que quer que fosse aquilo e levantei uma sobrancelha - onde é que eu estou? - perguntei levantando-me. - o que é que estamos aqui a fazer?

Olhei-o sentado no colchão e mordi o lábio com força, proibindo-me de fraquejar, não ia voltar atrás, só quando ele aceitasse. Sentei-me numa cadeira velha que lá havia, de frente para o colchão e recostei-me na mesma.
- Estamos numa casa abandonada.- murmurei.- e só vamos sair daqui quando aceitares.

Voltei a sentar-me pousando a vela, antes que ela caísse e incendiasse aquilo. Fiquei a olha-la, juntando as sobrancelhas, tentando ficar a percebe-la. O que é que eu tinha para aceitar? - O quê? - perguntei voltando a levantar-me e indo até ela, colocando-me de joelhos - aceitar o quê? Porque é que estamos aqui?

Fiquei a segui-lo com o olhar e o meu coração apertou-se quando percebi que ele vinha ter comigo. Não, não faças isso. Fechei os olhos por uns segundos e quando os voltei a abrir, não resisti a olhar para ele.
- Tu tens de ficar bom Fly..- sussurrei, com um nó a formar-se na minha garganta.- tu tens de te tratar, eu não posso ficar sem ti.

Fiz uma expressão confusa de início, mas quando ela disse que não podia ficar sem mim, percebi começando a afastar-me e a olhar em volta - estás a prender-me aqui até eu dizer que aceito ir para uma clinica de reabilitação? - perguntei cruzando os braços enquanto a olhava.

Passei uma mão pela garganta quando ele se afastou e fechei os olhos com força, esfregando-os depois.
- Sim.- disse baixinho.- eu vou contigo Fly, eu ajudo-te, eu fico contigo em todas as consultas e em todas aquelas coisas, mas aceita a ajuda, por favor.- ofeguei.

Cerrei o maxilar, virando-me de costas para ela, assim que confirmão. Fiquei a olhar para janela durante algum tempo, sem abrir a boca. Ninguém percebia, ninguém tinha passado por lá. - Não - disse na mesma posição. Não ia para lá, nem morto, não ia voltar. Não.

Passei as mãos pela cara quando ele se levantou e levantei-me também, ficando a olhá-lo até ouvir a sua resposta. Um não. Eu já esperava aquilo, eu sabia que não ia ser fácil, mas nem que fosse a última coisa que eu fizesse.
- Tu queres morrer por causa dessa merda, é isso? - virei-o para mim.- eu perdi os meus pais, eles morreram por fazerem o mesmo que tu, é isso que queres que aconteça contigo Fly? - tentei não gritar.- é porque eu não aguento perder-te a ti também!

Fechei as minhas mãos, transformando-as em punhos, assim que ela me virou para si. Fiquei a olha-la enquanto falava começando logo a abanar a cabeça tentando afastar-me - Deixa-me em paz, eu não vou morrer por causa de merda nenhuma, eu ia parar, eu vou parar. Eu vou parar por ti, porque é que me trouxeste para aqui? - perguntei limpando as bochechas

Agarrei no seu braço, não deixando que se afastasse e o meu coração falhou uma batida quando ele disse que ia parar por mim. Ia? Não Cam, nem penses.
- Tu ias tentar parar Fly, os meus pais também tentaram.- funguei.- mas nenhum deles conseguiu.- abanei a cabeça.- deixa que tratem de ti.- pedi baixinho.- por mim.

Olhei para a mão dela no meu braço e depois para ela. Larguei-me quando ela disse que não ia conseguir e cerrei os punhos com mais força, estava a começar a sentir-me mais falhado do que irritado. - E ia conseguir - gritei-lhe - eu ia conseguir - falei mais baixo virando-me para ela - porque eu também não te quero perder. - abanei a cabeça - eu não sou os teus pais. - continuei a abana-la - e eu não vou a lado nenhum. - afastei-me, indo sentar-me na cama.

Deixei a minha mão cair quando ele fez com que o largasse e acabei por cruzar os braços ao peito para não ter o impulso de o agarrar de novo. Estremeci quando gritou comigo e dei um passo atrás, caindo de novo na cadeira, com os olhos a encherem-se de lágrimas.
- Tu não me vais perder.- abanei a cabeça.- tu não me vais perder.- voltei a repetir, mais baixinho.- porque eu já não sei viver sem ti! - foi a minha vez de gritar.- porque eu não gosto de ti só um bocado.- abanei a cabeça, passando as mãos pelas bochechas.- eu pensei que era só um bocado, mas eu não suporto a ideia de ficar sem ti.- passei as mãos pelo cabelo.- eu não gosto de ti só um bocado Fly, é por isso que eu não te posso deixar continuar com isto.

Agarrei-me aos meus joelhos encostando a cabeça às mãos, que estavam em cima dos mesmos e à medida que ela falava, ou gritava, eu nem sei nem.. os meus olhos começaram a ficar encharcados e doiam se eu não pestanejasse, mas se eu o fizesse ia começar a chorar que nem um menino assustado. Mas era assim que eu estava.. Engoli em seco enquanto a olhava - eu não quero ir.

Tentei parar com o meu choro estúpido, passando várias vezes as mãos pela cara e funguei baixinho, respirando fundo para me acalmar. Porque é que ele era tão teimoso? Era para o bem dele. Abanei a cabeça e levantei-me, sentando-me ao seu lado quando cheguei ao pé dele.
- Porque é que não aceitas Fly? - olhei-o.- porque é que não me deixas ajudar-te?

Afastei-me um bocadinho durante uns segundos, mas acabei por me deixar estar no mesmo sítio, quando ela se sentou ao meu lado. Limpei a cara e esfreguei os olhos abanando a cabeça - tu não sabes como é estar lá - murmurei, está bem que com ela ia ser melhor, da outra vez tinha estado sozinho, mas mesmo assim ia ser horrivel - e se for, vou estragar a minha carreira, ele já me ameaçou, se ele sabe... eu não posso arruinar tudo. Eu consigo sozinho -apertei a mão num punho e bati-o no meu joelho que me fez estremecer, como reflexo.

Fiquei a olhá-lo enquanto falava e fui abanando a cabeça com as coisas que ele dizia. Não, eu ia ajudá-lo, se ele me deixasse, eu ia ajudá-lo.
- Ninguém precisa de saber Fly.- estremeci quando ouvi o estoiro do seu osso e aproximei-me, passando a mão pelo seu joelho.- eu vou contigo, eu fico contigo o tempo todo.- olhei-o.- eu faço com que ninguém descubra que estás lá. - disse já meio desesperada.- por favor, confia em mim.

Abanei a cabeça quando ela começou a dizer aquilo, toda a gente ia descobrir, eu não era um anónimo, eu não vendia pão e estava com medo que me despedissem eu era um modelo, eu viajava pelo mundo, aparecia em todas as revistas, na televisão, em tudo. Não queria ser notícias pelas coisas más, toda a gente me tinha como perfeito, não queria mostrar o meu lado mau, muito menos perder o meu emprego por causa disso. - Não. - deitei-me de costas viradas para ela - não vais conseguir esconder, não vou faltar um ano ao meu emprego. - abanei a cabeça.

Porque é que ele era tão teimoso? Eu acreditava que estar naquelas clínicas não era fácil e era tudo menos agradável, mas era para bem dele. Ele já tinha estado envolvido com as drogas e agora tinha voltado, isto só provava como não se conseguia controlar. Passei as mãos pelo cabelo, soltando um pequeno gritinho e olhei-o, mesmo de costas para mim.
- Tu não percebes que é para o teu bem? - tentei não gritar.- não percebes que é para que fiques livre disto? - fechei as mãos com força.- por mais que digas que sim, isto foi só uma prova de como não te consegues controlar Fly.

Cerrei o maxilar tapando os ouvidos enquanto ela falava. Só me fazia sentir pior. Eu já sabia que era um falhado, não precisava que ela me repetisse isso vezes sem conta, apesar de não o dizer directamente.
-Leva-me, mas mata-me primeiro - disse limpando a cara.

Arregalei ligeiramente os olhos com o que ele disse e abanei muito a cabeça, sentindo a minha visão ficar turva por causa das lágrimas.
- Mas tu não percebes que é para isso não acontecer que eu estou a fazer isto? - aproximei-me dele, de joelhos, e afastei as suas mãos dos seus ouvidos.- eu não posso deixar que morras, eu ainda quero continuar a ser feliz contigo.- solucei, agarrando-o pela sua camisola.- eu ainda quero beijar-te, não me impeças de fazer isso.- abanei a cabeça.- não deixes que isto te mate a ti também.

Olhei para todo o sítio, menos para ela, não a conseguia olhar, apesar de ela dizer tudo aquilo que eu queria ouvir desde que a conhecia de verdade.
-Pára - murmurei quase sem voz sentindo um soluço que me fez estremecer - eu não vou Camilla, não vou mudar de ideias. - agarrei-me à almofada nojenta que aquilo tinha e que cheirava mal. - e eu também te quero beijar. - murmurei. - e... - levantei-me irritado - eu estive lá um ano, um ano internado naquela merda e se voltei agora do que é que vale voltar para lá? Deixa-me tentar sozinho. Eu consigo - assenti - eu consigo - disse mais baixo. - eu juro que consigo, se tentar a sério... por ti, eu consigo.