Automóvel de Eric Grant

depois

Revirei os olhos por estar uma fila enorme pela rua mais rápida para chegar a minha casa e arranquei para o meio da cidade, ia dar uma volta gigante mas pelo menos chegava lá sem esperar.

Meti-me dentro do meu carro e segui para casa. Esperava que o Ben ainda tivesse acordado se não ia ficar a odiar-me. Quando prometia uma coisa àquele miúdo gostava de cumprir. Lembrei-me da Mia que devia ter mais ou menos a idade dele agora. Se estivesse viva.
Suspirei baixinho e dei por mim a fechar os olhos. Eu tentava esquecer mas apesar de já terem passado quatro anos, era a minha mãe e a minha irmã. Tinha-as visto mortas na cozinha e tinha quase a certeza que eu ia ser a próxima. Era melhor se tivesse sido a próxima.
Quando abri os olhos, já era demasiado tarde e estava muito perto de uma passadeira, onde estava a passar um casal. Virei o volante todo para o lado e senti o meu corpo ser lançado para a frente quando o meu carro bateu contra o outro. Senti a cabeça ligeiramente mais pesada que o resto do corpo e deixei-me fechar os olhos.

Apertei o volante nas minhas mãos. Não sabia bem de onde é que esta coisa tinha vindo, mas agora, sempre que pegava num carro durante a noite não conseguia parar de pensar em coisas estúpidas que me podiam acontecer. Talvez foi por ter sido praticamente raptado dessa maneira. Passei uma mão por um olho enquanto tentava descontrair e respirei fundo. Tinha que chegar a casa e deitar-me, sentia-me tão cansado, mal conseguia dormir, no máximo duas horas. Ainda tinha dores, era tudo muito recente e as feridas ainda não tinham sarado, aliás, nenhuma delas tinham sarado. Mas, não era só por causa das dores que não conseguia, o pior era mesmo os pesadelos. Mordi o lábio tentando parar de pensar naquilo, mas era inevitável, já nem me conseguia divertir depois disto tudo que tinha acontecido.
Engoli em seco quando senti uma dor, na verdade não a sentia, era apenas psicológica mas doía tanto como se fosse real. Fechei os olhos apertando o volante com mais força tentando concentrar-me, mas quando o consegui fazer já não estava na estrada e o carro estava a ser arrastado por algo.
O airbag tinha salto para fora pouco depois do impacto, mas ainda consegui sentir a minha cabeça bater no volante para depois voltar para trás.

Pisquei os olhos várias vezes e olhei em volta. Tentei puxar o cinto mas não tinha força nos braços e a minha visão estava toda esquisita. Via pontinhos pretos em todo o lado. Gemi baixinho de dor e vi uma mancha vermelha no volante. Levei muito lentamente a mão à minha testa e quando a baixei, vi as pontas dos dedos cobertas de vermelho. Sangue.
Voltei a piscar os olhos várias vezes. Sangue na testa. O mesmo quando eu tinha catorze anos e o meu pai me tinha empurrado contra o armário da cozinha. Depois disso é que ele tinha levantado a faca ainda vermelha e foi nesse momento que pensei que ia ser a próxima.
Comecei a sentir um cheiro esquisito no ar mas não tinha força para fazer nada e via tudo escuro. Passado pouco tempo, voltei a perder os sentidos.

Tentei mexer-me, mas o meu corpo estava em choque, não sentia dores, mas conseguia ver pelo espelho parte da minha cara cheia de sangue. Se havia sangue havia dor, isso era certo.
Abri a boca para pedir ajuda, mas não consegui. Engoli em seco e apenas ao fim de alguns minutos é que acabei por sentir alguma coisa. Gemi baixinho agarrando-me a uma perna e encostei a cabeça ao airbag, isso também doía, mas era menos. A minha porta abriu do nada, pelo menos foi isso que pareceu, mas percebi que apenas tinha sido aberta quando um homem o fez.
Ainda não conseguia falar, mas sabia que conseguia sair dali, por isso apoiei-me nele e saí, apesar de ele dizer que era melhor estar onde estava. Olhei para a minha perna e e forcei-me a andar até ao outro carro, também havia lá muitas pessoas, pronto, eram só três, mas eu precisava de ver quem é que tinha atingido.
A minha visão começou a ficar desfocada fazendo e algo aconteceu porque tive que me apoiar no carro para não cair.
-Larguem-me - mandei quando vieram ter comigo e abri a porta do carro olhando para a rapariga que estava lá dentro acabando por revirar os olhos. Eu tinha cá uma sorte.

Senti demasiado movimento à minha volta e abri os olhos de repente, sentindo-me demasiado presa àquele sitio. E não estava a falar do facto de estar mesmo lá presa.
Tiraram-me o cinto e tiveram de me agarrar antes que fosse de cara ao volante de novo. Não conseguia sentir nenhuma parte do corpo. Só a cabeça que pesava toneladas.
Senti alguém pegar-me ao colo e fechei os olhos de novo. Quando fui obrigada a abri-los, lembrei-me que tinha ido contra um carro por isso devia haver mais gente como eu. Vi o rapaz da discoteca cheio de sangue na cara, aquele para quem a Mariah me tinha empurrado. Tossi e senti a garganta arranhada por isso quando falei a minha voz nem parecia minha - Tu.. desculpa.. - já estava a dizer-lhe aquilo muitas vezes na mesma noite.

Fiquei a olhar para ela e antes de falar avaliei o seu estado, pelo menos o físico, havia algumas feridas pelo menos que eu conseguisse ver.
-Eu - resmunguei tão baixinho que não parecia eu próprio. - Devias ter mais cuidado na estrada - olha quem fala. - apoiei-me novamente em alguma coisa quando voltei a ver tudo desfocado.
-A ambulância está a chegar - ouvi e deve ter sido a última coisa porque caí no chão sem conseguir sentir nada.

Baixei a cabeça quando ele falou e assenti com a mesma. Ele tinha razão, podia ter sido bem pior. Olhei para quem me estava a agarrar assim que ele caiu no chão - Ele está bem? - o meu coração começou a bater muito mais depressa - Ele está bem? - repeti a pergunta.

Obriguei-me a pestanejar e arrastei-me no chão até encostar-me ao meu carro. Fechei os olhos durante uns segundos e passei a minha mão pela cabeça. A sério que não me podia acontecer mas nada? Podia morrer já, não era preciso tortura.
-Eu estou bem - disse quando me perguntaram começando a ouvir as ambulâncias ao longe. Depois de tanta coisa, a minha mãe ia passar-se da cabeça.

Ouvi o barulho das ambulâncias a aproximar-se do local onde nos encontrávamos. O rapaz estava encostado ao carro e eu sentia uma vontade enorme de ir ter com ele e voltar a pedir-lhe desculpa. Afinal se não estivesse com os pensamentos todos trocados, isto não teria acontecido.

Quando os barulhos pararam os ruídos das pessoas à minha volta a perguntarem-me coisas, voltou. Apenas suspirei olhando para eles e vendo o que faziam, só não me podia tocar no peito, apesar de estar a doer por causa do embate.
-Vamos para onde? - perguntei - não chamem a minha mãe, ela morre - disse baixinho e olhei para trás olhando para a rapariga para ver se ela estava bem.

Deitaram-me numa das macas e senti-me a ficar com o corpo completamente mole e a cabeça a pesar toneladas.
- Há alguém que possamos contactar?
- O Ben vai matar-me. - suspirei baixinho. Abanei a cabeça - Não. Não há ninguém. - se chamassem os meus tios já sabia como é que ia ser por isso era preferivel eles não saberem.
Levantei a cabeça para procurar o rapaz do acidente mas fui deitada de novo - Não te preocupes, ele vai para o hospital também.

Gemi quando ouvi o meu osso da perna estalar, estavam a coloca-la no sítio.
-Vou matar-vos depois disso - disse fechando os olhos com força porque aquilo doía para caraças. - Ela..
-Também vai - disse um dos enfermeiros que me colocavam na maca e me prendiam levando depois para dentro da ambulância.

Não sei quanto tempo demorou a viagem mas pareceu-me ser rápida porque só abri os olhos quando cheguei ao hospital.
- Lilly, vamos fazer uns exames para saber se está tudo bem, sim? E depois era melhor se passasses cá a noite. Só hoje.
Virei a cara para o lado e depois para o outro - Onde é que ele está? Ele está bem? - fiz uma careta de dor - Ele odeia-me muito? - ouvi o médico rir-se - Não tem piada. Ele não gostava de mim porque fui contra ele sem querer na discoteca, agora deve odiar-me profundamente.

Os estúpidos queriam dar-me analgésicos para as dores mas eu comecei a abanar-me e fiz com que eles me largassem de vez e não me dessem nada, nem o soro. Passei parte da viagem a dormir, não sei porquê porque apenas acordei e já estava numa sala, com uma perna enfiada numa espécie de forno.
-Quero embora, deixem-me. - quase ordenei.

Esfreguei um dos olhos com as costas da mão. Os exames estavam feitos e agora era esperar mas não seria mais do que uma pancada forte na cabeça e alguns arranhões e cortes.
Virei a cara para o lado e suspirei ao ver e ouvir o rapaz. Olhei para a perna dele e mordi o interior da bochecha - Desculpa. Eu ia distraida a pensar em coisas.. estúpidas. - suspirei baixinho - Posso fazer alguma coisa para compensar?

Estremeci quando me colocaram água oxigenada na testa para curar os meus ferimentos sem me avisar e estive mesmo para começar ali aos resmungos e berros mas uma voz fez-me parar.
-Estares calada - disse com um revirar de olhos e queixei-me por a enfermeira ser bruta. A verdade é que eu também ia a pensar em coisas que não devia, a culap não era só dela.

Mordi o lábio inferior quando ele falou e assenti com a cabeça. Claro.. Puxei as mantas para cima com cuidado para não me magoar e fechei os olhos. Passei a ponta dos dedos por cima de uma ligadura que tinha no braço e fiquei calada como ele tanto queria.

O médico veio explicar-me que não havia nada partido, tinha apenas existido um deslocamento que já estava resolvido, agora só ia ter dores. Revirei os olhos, já estava a ficar habituado de conviver a isso. Só esperava que não avisassem a minha mãe. Quando o médico foi embora virei a cara para a rapariga.
-Eu também estava a pensar em coisas que não devia, por isso podes estar descansada sem te culpares - disse virando logo a cara.

Continuei a olhar para a ligadura quando ele falou e assenti com a cabeça apesar de ter a certeza que ele não tinha visto. Suspirei baixinho e puxei as mantas até ter só os olhos de fora. Tentei mexer-me pouco para não fazer barulho, não fosse incomodá-lo também.

Fechei os olhos durante uns segundos e quando os ouvi só ouvi os gritos da minha mãe.
-Mãe, mãe, shiu, há mais pessoas no quarto - disse logo assim que ela veio ter comigo. - eu disse para não te chamarem - resmunguei mais para mim do que para ela.

Virei ligeiramente a cara para o lado quando uma senhora entrou no quarto. Mordi o lábio inferior e agarrei-me bem às mantas. Esperava que não chamassem mesmo os meus tios. Dispensava o dramatismo deles.

-Chamaram a família de todos, para de reclamar Frederic - revirei os olhos e passei uma mão pela cabeça.
-Mãe, vai embora, amanhã eu saio daqui e volto para casa. - respirei fundo.
-Mas é que nem pensar, estás sempre a meter-te em confusões, agora fico aqui.

Fechei os olhos com força quando disse que tinham chamado a família de todos e tentei reprimir um sorriso quando ouvi a mãe dizer o nome dele. Frederic era um nome adorável.
Consegui mesmo não me rir porque o Ben chegou até à minha cama, seguido dos meus tios - Lilly. - ele pôs-se a tocar nas minhas ligaduras todas - Estás bem?
A minha tia puxou-o para ela como se eu tivesse alguma doença contagiosa - Sempre a arranjar problemas Lillianne.