Sala de estar

Fiz uma careta quando me senti despertar e bocejei baixinho, levando as minhas mãos aos olhos, esfregando-os. Tacteei pela cama, acabando por tocar nas costas de Fly e abri os olhos, vendo-o de costas para mim. Fiz uma carinha triste, chegando-me mais para ele e abracei-me ao seu corpo, esfregando o nariz na sua camisola.
- Não gosto quando estás longe.- queixei-me baixinho, ainda meio a dormir.

Quase que saltei quando a ouvi falar-me e virei-me repentinamente para ela. Tinha estado noutro mundo, nunca mundo mesmo bom, agora estava noutro completamente diferente, pelo menos tinha-a a ela. Ela podia ser a minha nova droga, eu não me importava, mas mesmo assim custava - tenho fome - disse baixinho.

Os meus olhos arregalaram-se quando ele se virou para mim de repente, e ainda fiquei a pensar que o tinha acordado, mas era impossível, ninguém acordava daquela forma, a não ser que estivesse a sonhar ou algo do género. Sim, também podia ser isso. Fiquei a olhar para ele, tentando decifrar o que se passava, mas não conseguia ver mais nada sem ser o seu ar assustado. Passei uma mão pela sua bochecha, acariciando-a e cheguei-me para ele, dando-lhe um beijinho na testa ao mesmo tempo que o ouvia queixar-se com fome.
- Eu vou preparar-te um bom pequeno almoço então, estás a precisar.- disse baixinho e olhei os seus olhos antes de me afastar. Tinha ficado assustada agora.- fica aqui, está bem? Eu trago-te a comida.

Olhei-a quando a vi meio assustada por causa da minha reacção, mas apenas assenti, puxando as mantas para trás porque estava a morrer de calor ali abafado. - Não tenho mais lugar nenhum para ir - disse com um encolher de ombros e acabei por me deitar de barriga para baixo, voltando a fechar os olhos. Imaginar não era a mesma coisa mas era mais saudável.

Suspirei baixinho com o que disse e não disse mais nada, limitando-me a ir para a cozinha. Ele precisava de comer coisas que fizessem bem, por isso, optei por umas torradas, um sumo de laranja e depois, uma taça com alguns morangos. Coloquei tudo num tabuleiro, fazendo mais umas torradas para mim e quando estava tudo pronto, voltei para o quarto, pousando o tabuleiro junto dele.
- Senta-te.- pedi baixinho.- não precisas de comer tudo, come o que te apetecer.- disse, temendo que toda aquela comida fosse demais.

Voltei a estremecer quando fui interrompido pela sua voz, mas não fiz movimentos brutos, sentando-me tal como me tinha pedido. Olhei para a comida e arregalei os olhos, não por ser tanta e eu não conseguir comer, mas por ser muita e eu ter mesmo muita fome. Agarrei-me às torradas, devorando-as como se não comesse à anos e bebi o sumo de laranja todo, pegando depois nos morangos. - Há mais?

Pousei o tabuleiro no seu colo depois de ele se ter sentado e sentei-me na pontinha da cama, ao seu lado, pegando apenas numa torrada para mim. Arregalei os olhos, ao vê-lo comer como se já não o fizesse há anos e olhei para o prato das torradas, já só com as migalhas.
- Há mais pão e morangos na cozinha.- dei uma pequena trinca na minha torrada.- por isso, se tiveres mais fome eu faço-te mais num instante.

Como a vi começar a comer abanei a cabeça passando as mãos pela minha barriga, eu tinha que me controlar, não podia engordar ou ainda me expulsavam, já estava a faltar estes dias todos, de certeza que não iam gostar.
-Eu fico aqui - abracei-me a ela e à almofada, fechando os olhos.

Agarrei-me a ele quando me abraçou e afastei o tabuleiro, subindo para a cama, apesar de não ter percebido muito bem se ele ainda tinha fome. Passei uma mão pelo seu cabelo, mostrando um pequeno sorriso e estiquei-me até lhe beijar o nariz.
- Queres que te traga mais alguma coisa? - perguntei a a olhar para os seus olhos.- podes pedir, não faz mal.

Abanei a cabeça com a sua pergunta - não quero comer - disse fechando os olhos. Passei as mãos pelo meu cabelo e mordi a parte de dentro da bochecha - quando é que eu posso começar a trabalhar? - perguntei-lhe.

Assenti, apesar de não acreditar muito e deixei-me estar encostada a ele e fiz-lhe festinhas no peito com as pontinhas dos dedos. Levantei a cabeça com a sua pergunta e mordi a parte de dentro da minha bochecha, encolhendo os ombros.
- Quando quiseres.- murmurei.- desde que não...- não terminei, acho que ele percebia.

Sorri levemente quando disse que era quando eu quisesse, mas logo suspirei, agarrando-me às mantas e, não sei bem porquê, virei-me para o outro lado de olhos fechados. Não estava chateado, não estava nada com ela, mas quando me lembrei das maquilhadoras e na droga que elas até ofereciam para poder fazer negócio dava-me uma má disposição subita

Levantei as sobrancelhas numa expressão confusa quando se virou de costas para mim de repente e engoli em seco. O que é que eu tinha dito de mal?
- Fly..- chamei baixinho, deslizando os meus dedos pelas suas costas e apesar de querer, não me aproximei.- desculpa, eu não sei o que disse, mas desculpa.- pedi no mesmo tom.- eu não queria que ficasses chateado, podes ir quando quiseres.

Abri os olhos quando percebi que ela pensava que eu estava chateado e encolhi ligeiramente os ombros, encostando-me mais a ela para percebesse que não estava. Só não queria passar por isto outra vez, já bastava a primeira e esta. Fechei os olhos com um suspiro e respirei fundo tentando adormecer, mas isso parecia algo impossivel.

Não, eu não me contentava só com isso, eu não me contentava que ele estivesse simplesmente encostado a mim. Abanei a cabeça, tocando com os dedos nas suas costas antes de me levantar e depois de o fazer, dei a volta à cama, só parando à sua frente, do outro lado. Ajoelhei-me, olhando para ele e toquei no seu queixo.
- Fala comigo.- pedi baixinho.- o que é que não me estás a contar?

Abri os olhos quando a senti ao meu lado, mas do lado contrário ao que estava e afastei a cara ligeiramente, olhando-a com um encolher de ombros - não quero falar disso - disse puxando as mantas - quero deixar de sentir isto - puxei as mantas todas para cima da cabeça e enrolei-me numa bolinha.

Suspirei baixinho, acabando por me sentar no chão, não tentando tocar-lhe mais nenhuma vez e cerrei o maxilar, engolindo em seco. Se ele não me dizia nada, como é que eu o ia ajudar?
- Tu vais deixar de sentir isso Fly.- murmurei baixinho.- mas se falares eu consigo ajudar-te.- passei as mãos pelo cabelo.- eu não te vou julgar, tu sabes que podes confiar em mim.

Abri os olhos devagarinho olhando-a durante uns segundos. Não era fácil de explicar e eu não queria fazê-lo, não queria admitir que só queria sair dali, ir para casa e enfiar-me no meu quarto porque lá eu sabia que onde tinha as minhas costas. - Não vai mudar nada - disse baixinho limpando a bochecha.

Juntei as sobrancelhas ao ver as lágrimas escorrerem pelas suas bochechas e senti o meu coração ficar muito apertadinho. O que é que se passava com ele. Toquei-lhe na bochecha, esticando-me depois para lhe beijar todas as lágrimas e senti os meus olhos arderem também, não aguentava vê-lo assim.
- O que é que não vai mudar Fly? - murmurei.- o que é que se passa?

Assim que senti os seus beijos encolhi-me, encostando a minha cabeça no seu ombro. Abanei a cabeça para lhe responder. - Não há nada para dizer - disse baixinho - os sentimentos não se explicam - engoli em seco e apertei a minha camisola no meu peito, era tão desgastante sentir que não se conseguia. Que se era um inútil.

O meu coração estava tão apertadinho só por o ver daquela forma. Se eu pudesse, eu trocava de lugar com ele, eu juro que trocava.
- Fly..- suspirei, passando uma mão pelo seu cabelo.- isto vai tudo passar.- murmurei baixinho.- eu suponho que os primeiros tempos sejam os mais difíceis, mas tu vais ficar bom.- beijei-lhe a testa e pousei uma mão sobre a sua, no seu peito.- vai ficar tudo bem.

Mordi o meu lábio com força respirando fundo e assenti com a cabeça enquanto ela falava, não passava, pelo menos não já, mas eu continuava a assentir.
-Eu quero fazer isto tudo por ti - disse baixinho limpando as bochechas ainda com a cara escondida no seu corpo - e eu vou conseguir. - garanti-lhe - vou mesmo.

Não consegui não sorrir quando ele disse que queria fazer aquilo por mim e acabei por abraçá-lo, apertando-o contra mim.
- Também tens de fazer isto por ti Fly.- murmurei baixinho, beijando-lhe a bochecha.- mas sim, eu sei que vais conseguir.- assenti, virando a cara de mordo a conseguir beijar-lhe as lágrimas.- és o meu super mário, tu consegues tudo.

Encolhi levemente os ombros, fazer por mim o quê? Eu era inútil, não havia nada que eu pudesse fazer por mim, só por ela que era a única pessoa que me fazia ficar com vontade de parar. - Espero que o super mário não morra neste nível - disse baixinho olhando para as minhas mãos que brincavam com as suas.

Entrelacei os meus dedos nos seus quando o senti agarrar na minha mão e levantei o seu olhar para mim, com a mão livre, roçando os meus lábios nos seus.
- Ele não pode morrer neste nível, tem de vir resgatar a princesa.- olhei para os seus olhos com um sorriso.- ela está à espera dele, e olha que ela não gosta de esperar muito tempo.